sexta-feira, 20 de abril de 2012

Carlos Drummond de Andrade - Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte - 4/28

'Canção da Moça-Fantasma' é um poema em primeira pessoa, onde o eu-lírico é um fantasma feminino que em meio a uma mistura real e sobrenatural se perde em questionamentos acerca do sentimento do mundo
.



A primeira estrofe é uma estrofe introdutória sobre as origens da tal Moça-Fantasma. As segunda, terceira e quarta estrofes são usadas para estreitar os laços entre leitor e autor. Na segunda o eu-lírico explicita uma antiga relação, partindo principalmente do pressuposto que todos os leitores já tiveram uma mulher que virou apenas fantasia. A terceira estrofe é marcada por arrependimento e desejos inalcançados da Moça-Fantasma, que se queixa principalmente por não ter tido tempo de "ser vossa, como as outras", continua na quarta estrofe contando que apesar de não encontrar quem busca, ou seja, seus antigos namorados, acaba mesmo por abordar aleatoriamente os homens na rua. Na quinta estrofe o eu-lírico faz questão de contar que não lhe interessam mulheres, apenas os moços dos quais não pode se distanciar. O espectro ainda se queixa por não poder manter relações com humanos e termina por fim dizendo que seu desabafo já é suficiente para consolá-la.
O poema tem traços de lenda urbana e em algumas partes ["espreito os carros que passam"] é muito semelhante a uma lenda urbana de Belo Horizonte, a lenda da 'Loira do Bonfim'. Esta lenda mitifica a história de uma mulher que teria sido assassinada por um taxista e desde então vivia a assombrar os motoristas da região levando-os para o cemitério do Bonfim e desaparecendo perante os olhos deles. 
O poema é o relato de um sentimento mundano, porém  surreal, mas que como o eu-lírico insinua "O meu nome era Maria [Maria-Que-Morreu-Antes." cabível ao sentimento de qualquer um. Seja o que foi, seja o que ficou. O autor retrata, além da angústia de partir, a angústia de vagar, principalmente alimentada por desejos não realizados.
Pode se estabelecer um paralelo entre a Moça-Fantasma eu-lírico deste poema, e Brás Cubas, eu-lírico da prosa de Machado de Assis também presente na atual da lista e que será analisado neste blog muito em breve. O eu-lírico da prosa, é um "defunto-autor", assim como o eu-lírico deste poema, sendo ambos escritores autobiográficos com traços bem pessimistas e que claramente se arrependem dos rumos os quais suas vidas tomaram. Segue um trecho do último capítulo do livro Machadiano no qual esses traços são claramente perceptíveis "Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento." 




Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma.
O meu nome era Maria
Maria-Que-Morreu-Antes.

Sou a vossa namorada
que morreu de apendicite,
no desastre do automóvel
ou suicidou-se na praia
e seus cabelos ficaram
longos na vossa lembrança.
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
dizia de outros planetas
em que os amantes se queimam
num fogo casto e se tornam
estrelas, sem ironia.

Morri sem ter tido tempo
de ser vossa, como as outras.
Não me conformo com isso,
e quando as polícias dormem
em mim e fora de mim,
meu espectro itinerante
desce a serra do Curral,
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
para no Abrigo Ceará,
não há abrigo. Um perfume
que não conheço me invade:
é o cheiro do vosso sono
quente, doce, enrodilhado
nos braços das espanholas...
Oh! deixai-me dormir convosco.

E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e que beberam todo o uísque
existente no Brasil
(agora dormem embriagados),
espreito os carros que passam
com choferes que não suspeitam
de minha brancura e fogem.
Os tímidos guardas-civis,
coitados! um quis me prender.
Abri-lhe os braços...Incrédulo,
me apalpou. Não tinha carne
e por cima do vestido
e por baixo do vestido
era a mesma ausência branca,
um só desespero branco...
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.

As moças que ainda estão vivas
(hão de morrer, ficai certos)
tem medo que eu apareça
e lhes puxe a perna...Engano.
Eu fui moça, serei moça
deserta, per omnia saecula
Não quero saber de moças.
Mas os moços me perturbam.
Não sei como libertar-me.

Se o fantasma não sofresse,
se eles ainda me gostassem
e o espiritismo consentisse,
mas eu sei que é proibido,
vós sois carne, eu sou vapor.
Um vapor que se dissolve
quando o sol rompe na Serra.

Agora estou consolada,
disse tudo que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina
da Avenida Paraúna
(estrelas não se compreendem),
ninguém o compreenderá.

2 comentários:

  1. Eu adorei esse conteúdo, pois me auxiliou nos meus estudos, e esclareceu muitas dúvidas! Grata!

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  2. Muito boa essa postagem sobretudo pela intertextualidade feita com outras obras ! Obrigado

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