quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Carlos Drummond de Andrade - Confidência do Itabirano - 2/28


Antes de analisar este poema devemos conhecer o motivo do sofrimento do poeta.

A cidade de Itabira, Minas Gerais, está localizada na Serra do Espinhaço, onde existem grandes jazidas de minério de ferro que são extraídas em lavra mecanizada a céu aberto. Foi em Itabira que, em 1942, foi criada, por Getúlio Vargas, a Companhia Vale do Rio Doce. Desde então a extração de minério de ferro é o maior ramo econômico da cidade que não por acaso também é causa dos sérios problemas de poluição enfrentados por ela.




"Confidência do Itabirano" é marcado pela forte presença de tristeza, saudade e amor, acentuados pelo emprego de paradoxos "E o hábito de sofrer, que tanto me diverte"; "este orgulho, esta cabeça baixa".
Nas duas primeiras estrofes Drummond, que depois de mudar-se para o Rio não voltara mais a Itabira, transcreve principalmente a saudade de sua vida lá. Nas duas últimas Andrade traz a lembrança material em objetos característicos da cidade: "esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil", a imagem feita pelo popular escultor de santos de Itabira, Alfredo Durval e finaliza o poema com sua lembrança material mais significativa porém pouco eficiente quanto a saudade ("como dói") : o retrato que lhe sobrou da cidade.
Durante todo poema Drummond trata da extração férrea com um certo incômodo, trazendo a interpretação de algumas consequências dela "de suas noites brancas (...) sem horizontes."

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em itabira.
Principalmente nasci em itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.


A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.


De itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
          esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...


Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
mas como dói!

por Antônio Fabiano

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